Tuesday, October 23, 2012

BEATRIZ CARVALHO entrevista








Beatriz Carvalho eu conheci numa festa de criança, mas nós já éramos adultas.
Ela foi estudar animação no Canadá, e lá ela vive e trabalha, numa casinha com jardim e árvore.  Desde então, eu acompanho o que esta escorpiana faz, e posso dizer, nada é insignificante.  Seu mundo é tão doce quanto uma menina de guarda chuvas e tão real quanto o chute na cabeça de um cachorro. 
Além do seu trabalho solo, ela toca o Estúdio Donguri de animação junto com Diogo Cavalcanti e além do mais é performer de rua.
Nesta emocionante entrevista, Beatriz Carvalho fala do processo do ilustrador/animador na procura de uma identidade e um nicho de trabalho, apostando na potencia da própria poesia. Também nos conta um pouco da vida no Quebec, de trabalhar para o Brasil desde lá; e finalmente, confessa um grande sonho. 



Ilustra Anêmona: Beatriz, você teve muita dificuldade em descobrir que queria ser ilustradora?

Beatriz Carvalho: Acho que não tive dificuldade....mas demorou.....fui descobrindo aos poucos, devagarinho, enquanto fazia outras coisas. Na verdade, na minha formação como artista e arquiteta, eu tinha uma produção mais voltada para o gesto, a pintura, as massas de cor, a intervenção na cidade, muito mais do que a construção de figuras e narrativas. Acho que isso foi aparecendo aos poucos e aos poucos eu fui descobrindo um prazer enorme em criar ilustrações e desenhos que contavam histórias.

IA: O que você foi fazer no Canadá?

BC:  Quando eu comecei a trabalhar com ilustração, um universo imenso de possibilidades começou a se abrir, que antes, eu não tinha muita ideia. Estava muito mais ligada no mundo das artes plásticas, que é um universo profissional diferente do da ilustração. Enquanto eu trabalhava com ilustração e ia adentrando esse universo, o Diogo [companheiro] começou a estudar e a fazer animação. Daí, pra mim, foi de novo uma descoberta. Eu vi no cinema de animação, um caminho poético e artístico de complementar e enriquecer minha pratica como artista e ilustradora. Então, resolvi vir estudar cinema de animação. Ilustração e animação são práticas diferentes, mas muito complementares. Juntas, criam um universo expressivo.



IA: Existe curso de cinema de animação no Brasil? Você acha que quem quer mesmo mergulhar nisto deve sair e estudar fora?

BC: O Brasil é um país muito potente em termos de artistas, ilustradores e animadores. A gente tem mesmo uma força expressiva radical que mesmo sem ter muita escola, as pessoas se viram, aprendem e criam coisas incríveis.
O que me motivou a vir estudar no Canadá foi mais o fato de que aqui, animação existe há muito tempo como prática profissional e como algo a se aprender e a se ensinar. Eles têm muita história, muita coisa foi criada aqui, então eu sinto que estou conectada a uma história. Por exemplo, no meu primeiro ano, pude fazer animação em filme, com câmera de 35 mm, coisa que não existe mais. Tenho professores que trabalharam muito tempo na NFB (National Film Board do Canadá) que foi até hoje um centro de pesquisa e criação de filmes de animação super interessante.
Mas o Brasil está crescendo. Acho até que o mercado profissional brasileiro de animação está aquecido, em expansão, e cada vez mais, teremos escolas e lugares para aprender.
















IA: Me conta da tua rotina de estudo e trabalho em Montreal.  Como são os horários, dá pra viver de ilustração? Dá pra ter clientes no Brasil mesmo morando fora?

Beatriz Carvalho: Dá. Eu tenho um ano dividido em dois. Eu estudo efetivamente 6 meses ao ano, de setembro a abril. Nesse período, a produção para o curso é bem intensa, semanal, muita animação. Consigo trabalhar para o Brasil, como ilustradora, nesse período, mas é bem corrido. A outra parte do ano, que é o verão, de abril a agosto, não estudo, daí intensifico meu trabalho para o Brasil, e trabalho para cá também como animadora. Além disso, você sabe, aqui fazemos tudo. A locomoção é bicicleta ou transporte público, faxina na casa, cozinhar todo dia, enfim. A vida cotidiana leva tempo. Mas dá tempo de tudo. Eu sinto que morar aqui e trabalhar para o Brasil têm sido possível e muito prazeroso pra mim até agora. É tudo por skype, dá certo. É até bom essa distância para produzir, as conversas sobre o trabalho acabam sendo mais objetivas. Não sei se isso se prolonga por muito tempo. Acho que de tempos em tempos é legal voltar para o Brasil, fazer novos contatos, criar projetos com amigos parceiros para ir alimentando esse ciclo, essa rede.



IA: Quais os fatores que você considera imprescindíveis para conseguir clientes, o que fazer para tornar o trabalho de ilustração sustentável?


BC: Bom, eu também estou em processo, descobrindo tudo isso. Tenho poucos anos de profissão, e essa também é uma pergunta que eu me faço. Mas até agora, eu sinto que é importante você ter o seu universo de trabalho, criação e linguagem. Um grupo de trabalhos, desenhos, que você considera o seu universo de criação, a sua poética. E isso não é algo estático, é algo que pode ir se transformando, e vai tomando uma forma cada vez mais forte e expressiva ao longo dos anos. Isso é o que tanto admiramos no trabalho de vários ilustradores/animadores mestres, que estão há mais tempo na estrada. Acho que isso é importante, ir delineando o seu trabalho, a sua força, aos poucos...mas além disso, acho que do ponto de vista mais profissional, você tem que saber compartilhar, tornar público, mostrar. Daí, pensando mais em termos de clientes, acho importante ter um site, um portfólio (se você ainda não tem trabalhos profissionais, ter os seus pessoais, que você cria como se fossem profissionais) e uma rede de contatos, que você vai construindo aos poucos. Começam pelos amigos, indicações deles de possíveis profissionais na área editorial, ou enfim, daí depende também dos seus objetivos...para onde vocês orientar o seu trabalho profissionalmente, quem serão os seus clientes.







IA: Encontrar um universo próprio é algo que considero que você já faz muito bem, pois tuas ilustrações são antiestereótipos do que é carne de vaca por aí, elas tem muita personalidade, e um sarcasmo misturado com inocência.  Esse teu estilo, te traz alguma dificuldade no mercado?

Beatriz Carvalho: Acho que sim, ainda que eu mesma estou entendendo ainda por onde vou em termos de mercados e clientes. Mas com certeza, tem muito trabalho que não rola pra mim, como ilustrar para livros didáticos por exemplo, que é por conta do trabalho não caber, parece que nunca consigo alcançar aquilo que esse mercado busca, talvez uma inocência que não exista nos meus desenhos... Ainda que se a proposta é legal, para mim seria ótimo desafio...mas eu já percebi que esse tipo de cliente tem mais dificuldade com meu traço. Por outro lado, as vezes rolam trabalhos mais de linha, nanquim, personagens, para publicidade, que eu nunca imaginei que pudesse rolar, mas as vezes rola. Enfim, encontro sim dificuldade na quantidade de trabalho. Tenho certeza que se meu trabalho fosse mais adaptável, teria mais clientes. Mas eu ainda não sei se é isso que eu quero também, por isso digo que eu mesma ainda estou à procura.
Mas sabe, no fundo, eu acho que o desafio é encontrar o seu caminho, nicho de mercado, dentro da sua potência. Todo mundo tem a sua, e tem espaço pra todas elas... será que é muito utópico da minha parte?

Não sei, eu acredito nisso...que tem tantas possibilidades de conseguir sobreviver de uma prática, tem tantos ilustradores diferentes, trabalhos diferentes, alguns vão pra um caminho mais editorial, outros para livros mais autorais, outros para publicidade, outros para storyboards de animação.

IA:pra finalizar, pra onde você quer ir? Que sonho você tem?

BC: Nossa....eu tenho um sonho, talvez meio provisório...sabe, não tenho certeza se é meu sonho definitivo...Eu gostaria de construir um caminho como artista (ilustradora e animadora) bem autoral, que consiga ser forte, expressivo, íntegro...claro, quero ter sempre projetos de livros, filmes, e trabalhos comerciais...em equilíbrio, de um jeito que eu consiga sobreviver, mas construir um caminho de trabalho que eu fique feliz, e que me enxergue nele, que veja que ali eu estou, como se fosse a minha própria história. E trabalhos que inspirem o mundo, em seu lado mais calmo, ou mais intenso...e que gerem histórias e sonhos e novos desenhos feitos por outras pessoas. E pra completar, morar numa casa, perto do mar, com um estúdio nos fundos, cheiro de bolo no fim da tarde, com o Diogo, filhos e netos...
Sonho doce e confuso
No  fim, sei que o que posso fazer é ir seguindo o dia a dia e construindo o que for possível....e ser feliz....
Ai que pergunta difícil!

IA: que resposta linda.

BC: (Vale, depois da uma editada hein.....)

IA: Nem vou.




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